Uma publicação da Plau
  • Branding, Estudo de caso
  • Rodrigo Saiani

  • 27 de mar. de 2019

Variable brand voice

Branding e tipografia têm tudo a ver. Investigamos o papel das fontes variáveis na comunicação das marcas com cada um dos seus clientes.

Por muito tempo as empresas se esforçaram em dar um padrão único para as suas marcas, unificando sua identidade e garantindo que o controle rígido de imagem as desse um rosto corporativo. Esse processo tem sido tão extensivo e bem sucedido que talvez ele tenha chegado ao seu ponto máximo. Agora, ter uma marca forte, bem planejada e executada é apenas o começo da história. A expressão real dela surgirá no que vem depois: se comunicar com cada consumidor, em cada momento, de uma maneira diferente.

Até o momento, este fenômeno é embrionário. Ainda está na sua fase black mirror, digamos. Ou seja, batendo na porta e pedindo pra ser explorado. Aqui vamos nos referir a ele como Variable Brand Voice®, ou tom de voz variável das marcas.

Que história é essa?

O contexto é fácil de enxergar. Basta pensarmos em como as marcas atuais estão diversificando seus produtos, serviços e, principalmente, seu atendimento para se moldar ao gosto de cada cliente.

Por exemplo, o McDonald’s não pode mais viver só de Big Mac e Quarteirão com queijo. Agora precisa também do ClubHouse, seu burger artesanal, porque sabe que só assim vai convencer aquele cliente de hamburgueria a voltar à lanchonete. Já o Spotify tem como parte central do seu negócio a personalização de playlists, sugestões de música para os usuários e até uma retrospectiva completamente personalizada do ano que passou. E, para muita gente, o Netflix é indissociável da persona de suas mídias sociais, que faz piadinha e conversa tête-à-tête com os seguidores.

O que esses casos têm em comum é a tentativa de uma marca de se conversar de maneira diferente com pessoas diferentes. Nada mais justo, certo?

O McDonald’s diversifica sua conversa com mudança de cardápio e logística de produção. O Spotify, com algoritmos de recomendação. O Netflix, com um trabalho consistente de social media. Podemos dizer então que a segunda coisa que esses casos possuem em comum é que todos estão deixando o design de fora desse papo.

Pensando nisso, chegamos a uma conclusão quase óbvia: por que não também vozes gráficas — ou tipográficas diferentes para consumidores diferentes?

Mas é claro que não inventamos essa ideia. Só vamos tentar dar um novo sabor a ela.

Na inocência ou na intenção?

Muito antes de estudarmos marcas, elaborarmos conceitos ou até mesmo antes de alguns de nós nascermos, já existiam empresas cujos logotipos mudavam toda hora. A questão é: elas faziam isso na inocência ou na intenção? Nossa resposta é que é um pouco dos dois, mas com dose grande de inocência (e ótima intenção).

Um dos melhores exemplos é o da Granado Pharmácias. Apesar de ter uma gráfica própria, a Granado certamente não possuía, em 1940, um departamento ou uma equipe de branding, da maneira como conhecemos hoje, no seu escritório. Ainda assim, as peças de comunicação da empresa nessa época são puro Variable Brand Voice®. Cada produto da Granado levava sua identidade visual para uma direção diferente. O produto estava acima da unidade da marca.

Algumas revistas do século XX também seguiam a mesma linha. Quase num exato meio termo entre intenção e inocência, tornando-se até artística. J. Carlos e a revista Paratodos eram mestres nessa abordagem. Praticamente cada edição da revista era acompanhada de um logotipo diferente, mas ainda assim inconfundíveis, todos em letras Art Déco.

O encaretamento tipográfico está à solta: não deixe ele te pegar.

Já faz alguns anos que muitas marcas grandes estão entrando no clube do que a nós chamamos de encaretamento tipográfico: logotipos sem expressividade, graças ao uso de tipografias sem expressividade. Até mesmo no mercado da moda, serifas encantadoras e ícones memoráveis estão sendo trocados por fontes tediosas.

É como se estivéssemos passando pela fase do modernismo tardio, onde a grande onda das empresas é se despir de toda a expressividade (como se fosse possível) em busca de uma neutralidade inalcançável. Ou seja, para essas marcas, o momento é de massificação, não de expressão. O raciocínio é simples: quanto mais amplo e diverso o público, mais neutra a marca dever ser, para conseguir atingir todos os consumidores igualmente. E, claro, essa obsessão pelo universal leva ao tédio.

Identidades Mutantes

Algumas marcas nos inspiraram a refletir sobre o tema da Variable Brand Voice® e a pensar que essa abordagem ao branding é possível. Já citamos a Granados e a Revista Paratodos. Agora, algumas mais recentes: a primeira é a Estrus Records, uma gravadora de música dos anos 1990 que, sob as mãos dos designers Art Chantry e David Crider, decidiu que não teria um logotipo único. Teria um logo por produto ou album lançado, sem nunca se prender a uma imagem fixa.

O que define a Estrus é justamente a mudança. Mas, ainda assim, você consegue enxergar alguma unidade entre os logos. Claro que o nome da marca é o primeiro e mais importante, porém não o único. O estilo meio grunge, preto e branco e até cômico dos logotipos fazem eles terem coesão dentro da linguagem da marca.

Outra marca que segue a linha de um logo por produto é a Deus Ex Machina, produtora de motos e bicicletas customizadas.

Aqui, a mesma coisa: não importa a quantidade de logotipos desenhados, nós ainda conseguimos enxergar a mesma marca, sem que nenhuma das suas representações cause estranheza ou incoerência.

O potencial de comunicação das marcas que fazem isso é enorme. Ainda fazem com que cada produto automaticamente seja uma item de colecionador, por ser completamente único.

Tanto a Estrus como a Deus Ex Machina são marcas pequenas, que “podem se dar ao luxo” de experimentar com a marca desse jeito. O público é pequeno e a produção é de acordo com a demanda.

Antes de variable brand voice, variable fonts

Variable Fonts é o grande acontecimento tipográfico dos últimos anos. Resumindo ao máximo, é uma tecnologia que permite que vários arquivos de fonte sejam comprimidos em apenas um. Isso quer dizer que uma família tipográfica completa, da romana à itálica, da light à bold, pode se tornar uma coisa só.

Além disso, a tecnologia permite que entre cada instância da fonte sejam criados inúmeros intermediários. Numa variable font não precisa existir só o peso Light, Regular e Bold, por exemplo. Entre o Light e o Regular e entre o Regular e Bold podem existir infinitos pesos intermediários, o que seria praticamente impossível sem essa ferramenta. Ou seja, uma variable font é um equalizador tipográfico, que você controla como quiser, arrastando pra lá ou pra cá.

O melhor de tudo é que esse equalizador não serve só para deixar a fonte mais ou menos bold. Ele pode controlar outras instâncias como a quantidade de textura nas letras, a inclinação, a largura, o tamanho das serifas e até mesmo o estilo de desenho. Basicamente, quase tudo que o designer e o cliente conseguirem imaginar.

Chefia, desce uma Coca 0.256 pra mim, fazendo favor?

Num mundo em que as marcas vivem tentando dizer que pensam e se comunicam com cada cliente individualmente, um dia elas vão ter que entregar um serviço realmente personalizado, certo? E por serviço, queremos dizer que tanto os produtos ou atendimento serão personalizados, como a linguagem que embala esses produtos. Tudo bem, a sua retrospectiva do Spotify já é bastante personalizada, mas e se as cores e o logotipo do site fosse também personalizados pra você?

É essa maluquice que chamamos de Variable Brand Voice®. Variable fonts encontra Branding. Faz sentindo, não?

Mas o que a Coca tem a ver com isso? Muito simples. Nós temos certeza que um dia você vai poder escolher a quantidade de açúcar que vem na sua Coca-Cola e retirar ela ao vivaço na maquininha, com a sua receita personalizada. Pode ser a Coca Zero, uma Coca gordona com muito açúcar, pra quem estiver com o plano de saúde em dia, ou a Coca 0.256, nem lá nem cá. Uma variable Coca, que será acompanhada por um variable logotipo da zero ao sugar high.

Agora, digamos que além de beber Coca-Cola, você seja leitor da revista Vogue. Ou, melhor ainda, vamos dizer que você até se interessa por moda, mas ache a Vogue meio nada a ver. Talvez você se sentisse mais instigado a consumir a Vogue se ela se comunicasse um pouquinho mais como você. Afinal, nada mais variable do que a moda. Então porque não cada leitor ser representado do seu jeito?

Sobre as Plaus

Enquanto a Coca-Cola e Vogue não nos chamam para dar uma pirada no logotipo deles, nós piramos em cima do nosso próprio. Ao invés de uma Plau, agora somos várias. Desenhamos um logo desse conta de todas as nossas vozes: a Plau editorial, a Plau empreendedora e a Plau educadora, que nós aplicamos a depender do nosso interlocutor.

Fontes utilizadas nessa página
  • Vinila Regular
  • Guanabara Display Condensed
  • Dupincel S Regular
  • Odisseia Regular
Autor

Rodrigo Saiani