Uma publicação da Plau
  • Design, História
  • Rodrigo Saiani

  • 01 de jan. de 2020

Uma reflexão amadora sobre meu 2019 profissional e talvez sobre minha década (’09 ’19) no design

Não sou de datas, nem muito pirado com calendário. Mas esse ano representou um fechamento de ciclo e por isso resolvi escrever um pouco sobre o que aprendi nos 10 últimos anos.

Esse é o 10º ano em que vendo fontes. Meu primeiro mês de vendas foi no MyFonts, em Dezembro de 2009, começando com muito pouca fé de que aquela maluquice ia dar em algum lugar. Não fosse meu irmão eu nem iria colocar para vender — achava que ela estava muito aquém do que deveria.

Fazer fontes é algo que toma muito tempo e dedicação e quando você lança uma com apenas um estilo, sabe que tem um longo caminho pela frente até ter alguma relevância. Minha ideia era que se nada melhor acontecesse, ia pingar um dinheirinho periodicamente e eu ia poder seguir fazendo algo que me dava um prazer enorme e que eu faria de graça de qualquer jeito.

Das primeiras vendas ao primeiro cheque (eu nem tinha PayPal na época), míseros USD 7.50 que eu nem pude descontar pq era mais caro descontar um cheque gringo do que o valor, muita coisa rolou. Ao ver uma, duas, três compras das fontes, entendi que sim, tinha gente que gostava tanto de fonte quanto eu e pagava por elas. Então expandi a Motiva Sans para uma pequena família de 3 pesos, depois 14 e usei para aprender tudo que podia sobre como fazer uma fonte.

a prova dos 10 :) — tela dos sales reports do MyFonts.

Meu primeiro poderoso checão das fontas.

Introduzi a Motiva em outros distribuidores (Fonts.comFontspring.comYouWorkForThem com outras famílias que se seguiram, Plau, Guanabara, Primot, quase todas subprodutos de projetos de identidade visual. O empurrão para criar produtos a partir dos projetos veio de um papo com meu sogro: ter um produto era melhor do que oferecer apenas serviços — que sempre dependem de você estar bem 100% do tempo.

Da Niramekko à Plau

Em termos de grana, a Niramekko, empresa que fundei com meu irmão em 2007 não era lá grandes coisas. A vontade no começo era fazer o que pintasse pela frente. Em 2012 as coisas já estavam mais claras: ou seguiríamos o caminho do branding, ou tentaríamos um modelo de design de produtos digitais. Claro que faltou um combinar com o outro e a decisão então foi cada um seguir seu caminho. Nesse rompimento, dá um medão do que vai acontecer em seguida. De todo mundo que tava na Niramekko, ninguém optou por seguir comigo. Eu fiquei bem bolado com isso, mas por outro lado me fez entender aquilo que a equipe não queria fazer mais (ex.: campanhas de Google Ads e afins, que eram pouco criativas e cheias de revisões). Depois um deles, que iria virar freela, voltou atrás e topou ir pra Plau, o que foi ótimo pra atender os clientes que ficaram — a gente fez uma divisão dos clientes baseados no tipo de projeto.

Ao mesmo tempo que eu abria a Plau, uma empresa mais focada em branding e tipografia (algo que eu já fazia no meu tempo livre), mandava portfolios e tentava entrevistas, cheguei a cogitar ser diretor de arte em agência de publicidade, algo que não fazia nem ideia do que era, mas que sabia teria, a princípio, salários melhores. Uma dessas entrevistas foi com o Zé Roberto Coccorese, da Huge. Cheguei a fazer o desafio, em que criei uma landing page para um dos nossos novos clientes na Plau, a Bounce BMX. Não passei na Huge, mas o interesse por tipografia chamou atenção do Zero. Essa interseção entre experiência digital e tipografia ficou muito na minha cabeça desde então.

Branding com tipografia

Desde que a Plau começou, tinha claro na minha cabeça que um dia a parte que tipográfica teria mais impacto no resultado da empresa do que a parte de branding. Isso porque não tinha grandes ambições de ter um estúdio grande mas de fazer projetos de maior valor e sabia que tipografia, por ser mais especializada, era o caminho. Só faltava combinar com os clientes.

Lucas Campoi, primeiro designer que contratei na Plau e que ficou comigo durante 5 dos quase 7 anos da Plau, cansou de ouvir isso de mim. E acho que eu duvidei mais do que ele se isso um dia ia ser verdade.

Comecei a duvidar da minha dúvida quando recebi um email de um dos nossos distribuidores dizendo que alguém importante tinha selecionado a Motiva Sans para ser sua fonte oficial. Demorou um tempo até descobri que tinha de fato dado tudo certo e a empresa era a Valve, criadora do Steam.

Motiva em ação na página do Steam OS.

A Plau e a Globotipo

E aí, em 2015 veio um projeto que mudou tudo. Receber um email do Chris Calvet convidando a Plau para participar do processo de seleção do estúdio para criar a nova família de fontes da Globo foi como ser um moleque que curte basquete e joga na escola e ser escolhido pra jogar na NBA. Cada etapa foi emoção e angústia, tudo misturado, mais dramático que novela das 8. Descobri que a gente tinha sido escolhido no meio da abertura da Bienal da ADG no Rio e eu e Campoi pulávamos de alegria, meio final de Copa do Mundo, Brasil Campeão.

A partir desse projeto, o propósito da Plau foi ficando cada vez mais claro. Fazer tipografia para o público mais amplo possível, pra fazer parte do dia-a-dia de pessoas que não fazem ideia de que existem pessoas criando letras pra todo tipo de uso. Fazer tipografia pop.

Expandindo o alcance das nossas fontes

Pra isso, as fontes precisavam estar disponíveis, principalmente para os brasileiros, da maneira mais fácil possível. Considerei o Fontstand, um modelo de aluguel de fontes que usamos bastante na Plau, com curadoria super bem feita pelos mesmos criadores da Typotheque, uma das distribuidoras de fontes mais respeitadas do mundo. Ao mesmo tempo, crescia o uso do Typekit — recém comprada pela Adobe — uma plataforma feita para fontes web que também oferecia sincronização com desktop. Tentei as duas e depois de alguns meses o Typekit sinalizou que nossa biblioteca era um bom match.

Essas decisões nunca foram tomadas de forma impensada — conversei com um monte de gente que já estava nas plataformas e tentei tomar as decisões diminuindo o quanto possível os riscos. Nunca tive nenhuma certeza de que as decisões seriam as melhores e é muito fácil falar depois do acontecido, mas na hora sempre dá um baita frio na barriga.

No começo, achei que estar no Adobe Fonts iria afetar negativamente as vendas nos outros distribuidores e que não traria muito retorno financeiro. O fato de usarmos a plataforma no nosso dia-a-dia de projetos me deixava um pouco mais seguro. Sabia que se tivéssemos lá, era só falar para qualquer assinante do Creative Cloud que nossas fontes estariam no Adobe Fonts, prontas para baixar.

Expectativa vs. Realidade

Desde então, minha percepção mudou bastante. Entendi que existe um ciclo, em que os designers usam as fontes para definir a linguagem tipográfica do projeto (e assim já conta como uma sincronização para o pagamento do AF) e que o próximo passo é entregar o projeto para o cliente, que muitas vezes não tem o Adobe Creative Cloud assinado. Isso faz com que ele tenha que buscar uma solução paga em um dos distribuidores.

Definindo os próximos passos das fontes de varejo

No meio dessa descoberta e durante o DiaTipo SP de 2018, onde palestrei sobre Voz Variáveis de Marca, fiquei no mesmo hotel de outro palestrante, Roger Black, designer de revistas famoso pelo desenho de revistas como a Rolling Stone além de fundador da Font Bureau e do Type Network, essa última uma rede de type-designers independente que se organiza de maneira diferente dos distribuidores tradicionais. Fiquei perturbando ele nos cafés-da-manhã e entendi um pouco melhor o modelo do TN, que vai além de instalar as fontes no servidor e fazer o marketing das fontes nos canais de divulgação. Com um controle de qualidade ativo, feedback real sobre pontos de melhorias nas fontes, um canal no Slack onde podemos trocar ideias com os membros da rede e mais de 25 anos de experiência em projetos de varejo e customizados, enxerguei ali uma oportunidade única de aprender com gente muito mais experiente do que eu no mercado.

Só tinha uma coisa: teríamos que nos comprometer com exclusividade a eles. E isso significava abrir mão de um fluxo de venda seguro, principalmente no MyFonts. Por outro lado, poderia manter o contrato com o Adobe Fonts e vender no meu próprio site. Decisão muito difícil, que demorei uns 6 meses pra tomar, conversando com muita gente, tirando todas as dúvidas possíveis pra ficar um pouco menos inseguro. A parceria com o Type Network começou oficialmente em Dezembro de 2019. Só o que aprendi com o controle de qualidade deles e nos papos do Slack já valeram a decisão!

Um capítulo novo para a Plau no Type Network

Em paralelo, os esforços para comunicar projetos customizados de fontes avançava, mas não foi nem de perto o que imaginava depois do projeto das Fontes Humanas para a Reserva. Fizemos um case legal do projeto e comunicamos, a resposta foi ótima, alguns pedidos de proposta seguiram, mas nada se concretizou. 2019 se encaminhava pra ser um ano pior que 2018, que já não tinha sido lá grandes coisas. Uma das coisas que deu certo foi oferecer workshops in-company. As startups e empresas que tem equipes de design como parte fundamental do seu negócio adoram e precisam aprender a se comunicar melhor com tipografia.

Apresentação das Fontes Humanas da Reserva

E o que seria um ano bem mediano, mudou em Dezembro, mês em que a maioria das empresas contratantes já pisou no freio, definiu orçamento para o ano seguinte, etc. Conseguimos projetos que nos dão uma segurança de que 2020 vai ser um grande ano para a Plau.

De branding para branding tipográfico

Se em 2014 os projetos de branding eram responsáveis pela maior parte da receita, em 2018/19 as receitas recorrentes de fontes, aulas, workshops, refinamento tipográfico de logotipos para terceiros seguraram um momento de baixa de projetos. E nosso cliente mais representativo do ano? Adobe Fonts. O dólar alto nos ajudou; a retenção de 30% da receita no acordo Brasil x EUA fora os impostos aqui no Brasil atrapalhou e muito.

Nesses 10 anos, aprendi bastante coisa sobre quem eu sou e o que quero da vida. Deixei de ser um designer exclusivamente fazedor e até mesmo egocêntrico para assumir um papel de liderança, inspirando a equipe para que eles fizessem projetos de dar orgulho. De um cara bastante conservador financeiramente (ainda sou e muito!), entendi que sem investir no que é importante, de boas ferramentas a conhecimento técnico, nada avança. Que as pessoas com quem eu trabalho são as mais importantes e que merecem todos os créditos por tudo que acontece de legal na Plau. E que quando elas saem, elas levam um pouco de Plau para onde vão.

Daqui pra frente, são 3 frentes em que a Plau vai atuar:

  1. Fontes Corporativas e Identidades Tipográficas
  2. Fontes de Varejo
  3. Educação Tipográfica

Nessas três vertentes, queremos fazer tipografia se tornar um assunto do dia-a-dia. Ainda falta muito, mas disposição e energia pra fazer isso acontecer temos de sobra.

Pros próximos 10 anos, é manter a cabeça sempre aberta para aprender sobre novos assuntos, conhecer muita gente diferente e pescar um pouco de todas as coisas boas que elas vão me trazer.

Se você leu até aqui, obrigado. E obrigado a todo mundo que contribuiu e me ensinou tanto nesses produtivos anos. Vamo que vamo!

Fontes utilizadas nessa página
  • Vinila Regular
  • Guanabara Display Condensed
  • Dupincel S Regular
  • Odisseia Regular
Autor

Rodrigo Saiani