Valter V Costa
Para muita gente, fontes são objetos exóticos. Algumas até ficam espantadas quando descobrem que existem pessoas por trás de cada tipografia. Fontes são tão naturais nas nossas vidas, que parecem apenas surgir no mundo, sem grandes intervenções humanas. Para quem não sabe muito bem como fontes funcionam, é bem razoável imaginar que a Arial simplesmente surgiu com o Windows, e que ela é tão parte dele quanto o menu ou os papéis de parede, por exemplo (que, por sua vez, também foram feitos por alguém, obviamente). Aliás, é mais razoável ainda não imaginar coisa nenhuma a esse respeito, e simplesmente usar as fontes para o que elas servem: comunicar um conteúdo.
Acontece que por aqui a gente ama fontes e, se você está lendo isso, provavelmente compartilha desse sentimento – ou está prestes a compartilhar. Nesse caso, faz sentido se fazer essa pergunta: de onde vêm as fontes?
Vamos separar a resposta em algumas categorias para conseguir explicar direitinho. Mas já fica o spoiler aqui: como nascem as fontes? Depende.
Uma fonte pode ser encomendada ou ser desenvolvida espontaneamente pela vontade do designer. Cada uma é chamada, respectivamente, de fonte customizada e fonte de varejo. As customizadas são, de maneira geral, encomendadas por empresas que querem ter na tipografia um ativo de marca que represente sua personalidade, também podendo ser uma forma de economizar ou resolver um problema técnico. Houve um tempo em que até reis encomendavam fontes, mas isso já é uma outra história e você pode ler sobre ela aqui.
Já as fontes que os designers simplesmente querem colocar no mundo, essas são as chamadas fontes de varejo, que são distribuídas (gratuitamente ou não) para o público geral, como qualquer produto de prateleira.
Anúncio de lançamento da Compasso, fonte da Plau
Especialmente em fontes customizadas, existe uma etapa de estratégia e pesquisa de referências que vem antes da parte de colocar a mão na massa. É como fazer um projeto de branding: tudo tem que estar em linha com o posicionamento. A tipografia é o elemento mais repetido de uma marca, então ela tem um grande poder de servir como identificação. Essa é a hora de refletir se o melhor é investir numa fonte que é cheia de personalidade ou uma que é mais discreta; se é mais tradicional ou mais moderna, por exemplo.
Para fontes de varejo, pode existir uma etapa estratégica também, embora seja menos comum. Pode ser que uma foundry (fundição; estúdio tipográfico) ou designer esteja atento(a) ao mercado e ache que uma fonte de determinado estilo pode ser um sucesso comercial. Ou então quer desenvolver uma fonte como uma colab que vai atrair o público. Quem sabe até fazer uma fonte para atrair certo tipo de cliente. Esses são alguns exemplos de como o pensamento estratégico pode ser útil mesmo no desenvolvimento de fontes de varejo. Mas é possível seguir sem isso também, sem problema.
Painel de referências do projeto Canal Brasil (Tátil + Plau)
De qualquer lugar dá para sair uma fonte incrível. Pode ser aquele rabisco que você fez no canto do caderno numa reunião meio chata, pode ser de um lettering, da sua assinatura, de um recorte de papel ou até daquela declaração de amor que você fez na areia da praia. Por isso, se você desenha letras, é importante sempre guardar seus rascunhos. Mesmo que pareçam toscos na hora, você pode retornar a eles depois com outro olhar e descobrir que tem uma joia nas mãos.
Isso tudo para dizer: nem sempre uma fonte já nasce como uma fonte, num papel quadriculado e a partir de um rascunho super finalizado. Ela pode surgir de qualquer jeito.
Rascunhos originais da Dupincel
A Salsero, uma das fontes da Plau, começou como um projeto do Rodrigo Saiani de fazer letterings para as seleções da Copa do Mundo de 2018
Rascunhos originais da Dupincel
Teoricamente, existe um jeito certo de começar uma fonte. Esse jeito seria começando pelo “OHno", ou seja, ‘O’ e ‘H’ maiúsculos e 'n’ e ‘o’ minúsculos. Por que essas? Quando você desenha uma fonte, é importante que desde o começo defina as principais informações dela. Espessura, contraste, larguras, tensão das curvas, desenhos das serifas (se houver).
O esquema OHno faz você começar com letras regulares, que ou são retas em ambos os lados ou curvas em ambos os lados. Isso faz elas terem os desenhos mais simbólicos do alfabeto. Ou seja, mesmo parecendo simples, elas carregam praticamente todo o material genético da fonte, digamos. A partir daí, é só replicar para as outras letras (tá bom, não é tão simples assim, mas a ideia é essa).
Depois a fonte é expandida para um set básico de caracteres, com o qual já seja possível escrever algumas palavras e definir ainda mais informações importantes do desenho.
Bom, essas são as regrinhas, mas, de novo: depende. É possível começar por uma letra mais expressiva, que já vai dar o jeitão da fonte, ou simplesmente qualquer letra que tenha brilhado mais no rascunho. Tudo é válido.
Leia o Webcomic Name ("oh no comics", por Alex Norris)!
Depois que todos os caracteres (e diacríticos) estão prontos para ver o mundo e o espacejamento já foi revisado centenas de vezes, a fonte pode, finalmente, ganhar vida. No caso de fontes de varejo, geralmente a pessoa que desenhou a fonte vai criar um specimen dela. O specimen é uma amostra da fonte, para que interessados possam ver ela em contexto. E, muitas vezes, esse specimen é temático, já direcionando algum uso específico da fonte – e aqui vai muito bem o planejamento estratégico que a gente comentou lá em cima.
Com o material de divulgação pronto, ela passa para algum canal de distribuição (ou vários deles), que pode ser uma plataforma própria do designer ou distribuidoras como MyFonts, Adobe Fonts, Fontspring, e por aí vai.
Bom, já deu para ver que além de não surgirem espontaneamente nos computadores, as tipografias ainda passam por uma jornada longa até ganharem vida, não é? Se tiver mais dúvidas sobre o nascimento das fontes, chama a gente nas nossas redes!
Com uma pegada tecnológica, o tema de lançamento da Carbona foi o mote "A fonte preparada para o futuro"
Valter V Costa