Valter Costa
A pedra fundamental de toda conversa fiada (um dos pilares da civilização) é a prosa sobre gostos pessoais. Essa modalidade do lero já é um pouco mais avançada do que falar do tempo lá fora (“que calorão, hein...”), então não serve para o elevador, mas ainda assim funciona para muitas situações, especialmente quando estiver conhecendo alguém. Você já sabe como funciona: é um tal de “que tipo de música você gosta de ouvir?” pra cá, um “praia ou montanha?” pra lá, aquela velha história.
Esse é um ritual tão importante, que, não à toa, é uma das primeiras coisas que se aprende em um cursinho de inglês, por exemplo. Pode conferir nos seus livros antigos ou fuçar o Duolingo, e certamente encontrará, logo no início, um módulo chamado “Likes and Dislikes” ensinando a fazer esse tipo de pergunta. I love going to the movies! What about you? Então se alguém resolver dar um passeio internacional só com as primeiras aulas do idioma pode até passar fome lá fora, mas ficar sem assunto, não fica.
O problema é que os temas acabam se repetindo sempre – filmes favoritos, músicas, lazeres, comidas etc. etc. etc. –, e mesmo o lenga-lenga mais mequetrefe merece um tempero. De pouquinho em pouquinho, ele pode até se tornar um debate acalorado sobre diferenças insolúveis de opinião entre você e sua interlocutora ou interlocutor – o que é muito mais interessante, vamos combinar.
Para chegar até lá, é muito simples. Você, mestre na arte do converseiro, já vai lançar na próxima: I love fonts! What about you? Aí, minha amiga ou meu amigo, o jogo está ganho, seja lá qual jogo você esteja jogando. Pode ser um date, um almoço com colegas de trabalho, mesa de bar, o que você quiser. Falar de tipografia é o próximo falar de música, pode confiar. Com a vantagem de que se você começar agora, antes do assunto bombar, vai parecer sempre a pessoa mais interessante de qualquer situação, além de se tornar vanguarda na bateção de papo.
Claro que você precisa sustentar o tema, não basta largar a granada e vazar. Então é crucial que comece a montar seu arsenal de tipografias favoritas desde já. Para facilitar, pode até dividi-las em categorias ou ir mais longe e selecionar quais que foram importantes para você em algum momento – seu primeiro projeto, a capa do seu livro favorito – afinal, um apelo emocional é sempre bem-vindo. A partir daí é torcer para a outra pessoa se interessar na conversa. É verdade que, por enquanto, vai ser difícil achar muita gente que também já tenha selecionado suas melhores fontes de todos os tempos. Mas não se desespere, logo mais isso vai ser tão comum quanto comentar sobre o calorão. Sem contar que quanto mais você falar sobre isso, mais pessoas vão aderir ao movimento.
E se você, além de pessoa que conversa, também é designer, não deveria nem precisar de tanto argumento para ter seus xodós tipográficos. Nesse caso, você deveria não apenas ter sua listinha, como ela tem que mudar toda semana (não sou eu que faço as regras, desculpa). Mesmo no meio do design isso pode te diferenciar: por incrível que pareça, nem sempre designers gráficos entendem muito de tipografia. Suas favoritas também vão te salvar dos projetos que você faz de favor. Sua tia te pediu uma arte para o churrasco de aniversário dela? Não precisa perder tempo procurando fonte, vai na listinha das especiais.
Mas se você está começando no mundo das fontes, pode ser difícil já assumir essa responsabilidade logo de cara. Por isso, aqui vão seis dicas para escolher suas fontes favoritas:
1. Fuja da Helvetica
Talvez você esteja em choque agora, mas é verdade. Helvetica é a escolha covarde, é apenas jogar pra galera. Você iria em um karaokê para cantar “Apesar de você”, do Chico Buarque? Pois é, é a mesma coisa. Tanto a música quanto a fonte são ótimas, mas você realmente quer ir na escolha genérica? E, já que estamos no tema, também nada de Montserrat, pelo amor de Deus. Aí seria como cantar “Evidências”. Muito legal, mas já deu, vamos em frente.
2. Proibido DaFont
Provavelmente esse site foi importante nas suas experimentações com o Photoshop na adolescência, mas essa época já passou, e é hora de reconhecer que a maioria das fontes disponíveis lá simplesmente não são boas. Além dos desenhos amadores, elas quase sempre pecam muito no espacejamento, o que mata qualquer tipografia.
3. Conhecer os créditos vale muitos pontos
Saber o nome dos designers e das foundries que fizeram as fontes que você gosta é muito importante. Próxima vez que vir uma fonte que gosta, vá atrás de quem fez e procure outras fontes da mesma pessoa para ver se elas também te atraem (as chances são grandes de que sim). E se, além de fontes favoritas, você conseguir ter type designers e foundries favoritas, aí terá basicamente atingido o nirvana do design.
4. Conecte tipografia com cultura
Como falamos lá em cima, os temas de conversas likes and dislikes mais comuns são cinema, música, literatura, enfim, obras culturais de maneira geral. Use isso ao seu favor. Fique atenta/o às fontes usadas nas capas dessas obras (ou mesmo no texto corrido delas). Em primeiro lugar, isso vai te ajudar a treinar o olho para buscar inspiração em qualquer lugar. Em segundo, depois de um tempo, vai conseguir mostrar para as pessoas como tipografia também é parte da cultura, mesmo quando a gente não se dá conta.
5. Saiba onde procurar
Ter boas referências é tudo, e você precisa estar nos lugares certos para encontrá-las. Dá para encontrar boas fontes nas plataformas clássicas como Pinterest e Instagram, mas provavelmente vai ser mais produtivo você visitar sites dedicados especificamente à tipografia. O que mais vai te ajudar, de longe, é o Fonts in Use. Coloque esse site como a página inicial do seu navegador, e não vai se arrepender. Eles têm uma curadoria muito bem feita, sempre atualizada, e todas as fontes são identificadas. Também pode frequentar o acervo online do Letterform Archive, mas nem sempre vai encontrar os nomes das fontes que estão nas imagens.
6. Foque na diversidade de estilos
De maneira geral, existem três grandes categorias de fontes: serifadas, sans serifs e fontes script (de letras conectadas). Foque suas pesquisas tipográficas nessas três categorias e escolha uma favorita em cada. Depois você pode ir enriquecendo seus critérios, como dividir entre fontes de texto e fontes display, por exemplo (ou qualquer outro tipo de categoria que queira criar).
Dica bônus: atenção aos detalhes
Tipografia e detalhe andam sempre juntos, então para você render uma boa conversa sobre tipografia (e ter um olhar mais refinado, é claro), é importante saber identificá-los. Se interesse de verdade pelas fontes que você gosta, brinque com elas (se for uma fonte à qual você tem acesso) e tenha na ponta da língua seus caracteres favoritos dela.
Pronto, sua vida social e profissional (no caso dos designers) acaba de ser revolucionada, pode me agradecer depois!
Disclaimer: como você deve ter percebido, mas não custa reforçar, todas as regras que ca* amos aqui são uma brincadeira, não leve as a ferro e fogo! (Mas sim, é verdade que achamos que tipografia dá um ótimo assunto para conversa fiada e queremos que um dia isso seja comum.)
Valter Costa