Valter Costa
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Alguns anos atrás, o Instituto Moreira Salles realizou uma exposição com o título “J. Carlos – Originais”. Nela, o público teve acesso ao extenso acervo do J. Carlos (1884 – 1850), um dos maiores ilustradores e designers da história gráfica brasileira. O “originais” do título refere-se ao fato de que boa parte do que estava exposto eram rascunhos ou provas do desenhista, antes de serem impressos.
J. Carlos talvez seja o grande marco do design brasileiro da primeira metade do século XX. Com uma produção muito prolífica (estima-se que tenha publicado mais ou menos 50 mil desenhos ao longo da carreira) e de excelência, ele deu a cara de algumas revistas icônicas do século passado. Revista O Malho, Careta e Para Todos são algumas delas.
Vou tomar a liberdade de pular a parte biográfica e ir direto ao ponto: J. Carlos era mestre em desenhar letras. Essa é uma informação que eu só conheci – ou da qual só me dei conta – na exposição do IMS.
Recentemente, já passados alguns anos desde essa visita ao IMS, comprei o livro também intitulado “J. Carlos – Originais”, quase como um derivado da exposição. Folheando o livro, meu encantamento pelas letras de J. Carlos ressurgiu.
Para quem vê de fora, pode parecer natural que um desenhista seja bom em desenhar letras. Afinal, desenho é desenho, alguém poderia pensar. A lógica até faz algum sentido, mas não é muito precisa. O desenho de letras possui um conjunto próprio de regras, além de um repertório específico de referências.
Desenhar personagens, por exemplo, não exatamente te deixa mais perto de fazer um lettering. J. Carlos foi espantosamente bom nas duas coisas.
Isso inclui letterings dentro das ilustrações, mas também títulos, capitulares e logotipos.
As edições da Para Todos lideradas pelo J. Carlos já serviram de exemplo para nosso artigo sobre Variable Brand Voice: os logotipos da revista mudavam de edição para edição, sem muito critério, porém mantendo sempre sua identidade inconfundível.
Boa parte do que J. Carlos fez com letras pode ser categorizado como art déco. Inclusive, o seu lado déco já foi inspiração para uma fonte: a Samba, do Tony de Marco.
Porém – e isso só aumenta meu espanto pela sua habilidade –, J. Carlos também foi proeficiente em outros estilos, produzindo até algumas impressionantes góticas ornamentadas.
Segundo o livro do IMS, J. Carlos entrou na profissão sem muito treinamento formal. Copiava desenhos de outros caricaturistas até desenvolver seu próprio traço. Em relação ao desenho de letras e à minha pergunta “como ele era tão bom nisso?” só posso acreditar, até o momento, que seu caminho foi o mesmo do que fez na caricatura. Copiou de outros lugares, sem treinamento, até aperfeiçoar a técnica.
No fundo, no entanto, essa teoria não me deixa satisfeito. Tendo estudado e trabalhado com tipografia já há alguns anos, entendo como é improvável acertar intuitivamente. Os contrastes, proporções, espaçamentos e ornamentos não costumam aparecer espontaneamente no lugar certo, sem um treinamento para tanto. Isso sem falar, obviamente, na beleza das letras, traço ainda mais inatingível.
Teimo em pensar que J. Carlos teve algum mestre, alguém que te mostrou o caminho das pedras no mundo das letras.
Ou, melhor ainda, que J. Carlos tinha um interesse distinto por elas, um interesse que ainda não foi registrado em nenhum livro.
Penso que ele treinava desenho de letras horas a fio, que estudava os grandes mestres calígrafos, que saía na rua notando os letreiros da cidade e corrigindo mentalmente seus kernings.
Gosto de pensar que era um aficionado como eu.
Espero voltar numa edição futura desta newsletter com uma pesquisa que prove que minha imaginação está correta. Enquanto isso não acontece, deixo J. Carlos falar por ele mesmo. Abaixo, alguns dos meus letterings favoritos do artista.
As imagens misturam fotos tiradas na exposição e digitalizações do livro “J. Carlos – Originais”.
Imagens: “J. Carlos – Originais” (IMS) e Acervo IMS. Fotos da exposição: Rodrigo Saiani.
Valter Costa